Introdução

Há muito o que ser aprendido. Há muito o que podemos extrair do que vemos, tocamos, ouvimos, e acima de tudo, sentimos. Nossa sabedoria vem dos retalhos que vamos colhendo ao longo de nossa evolução, que os leva a formar a colcha que somos. Esse espaço é para que eu possa compartilhar das luzes que formam o que Eu tenho sido!!!

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

A ESQUERDA COMO WAY OF LIFE

Esquerda não é só uma posição política. É também um estilo, um modo de vida. Há uma relação entre a política e a vida, mas não são a mesma coisa. As críticas à política de esquerda não batem com as críticas à vida de esquerda. Um dos problemas do PT, estes anos, foi que gente que vive à esquerda, sobretudo na classe média, se descontentou e até se indignou com a política do partido que governou o País desde 2003. Vamos lá.

Políticas de esquerda são políticas sociais. Visam reduzir a desigualdade, talvez suprimi-la. Para isso, precisam de movimentos sociais e sindicatos. Não há como ser socialdemocrata sem base sindical. Por isso, nosso PSDB nunca foi socialdemocrata, apesar de seu nome. Nunca teve base entre os trabalhadores. Poderia, talvez, ser um partido liberal, mas nem isso tentou. Fecho aqui o parêntese tucano. 

Uma vida à esquerda está fundada num enorme respeito à diferença. Não se pode impor uma orientação sexual a quem quer que seja. Sabemos que a maior parte das pessoas serão heterossexuais, mas isso não valida à repressão à homossexualidade. Etnias e religiões diferentes devem ser respeitadas. Nem sempre isso é óbvio. Na França, o país mais lapidado pela esquerda que existe, no qual até a direita democrática conserva uma lealdade à república que inclui um conjunto de ideais próximos à esquerda, o porte do véu por algumas muçulmanas causou tais problemas que gerou uma legislação proibindo o uso de qualquer símbolo religioso nas escolas, inclusive o crucifixo e a estrela de Davi. Já nos Estados Unidos e Reino Unido essa diferença é respeitada, não digo sem problemas, mas a despeito de seus problemas. 

Este respeito à diferença deriva de uma forte crença nos poderes da liberdade. A ideia é que, se formos livres, escolheremos o melhor caminho para nós. Essa liberdade não é a do empresário, porém; é a da pessoa ou do cidadão. Assim, os franceses não acreditam que uma adolescente use um véu por escolha dela; entendem que é uma imposição de sua família machista, e que cabe à sociedade dar-lhe a liberdade que seu grupo imediato lhe nega. Uma intervenção do Estado, desde que democrático, desde que temporária (na infância e adolescência), pode assim ajudar a liberdade. Por exemplo, a recusa - hoje, no Brasil - de certos evangélicos a estudar na escola os cultos africanos seria quase um crime. Eles terão a posição que quiserem, mas não podem recusar o conhecimento do que é diferente. O preconceito - ao pé da letra, a posição tomada sem se conhecer a questão - é um atentado contra a democracia. 

O problema que temos, hoje, é que esse way of life de esquerda se chocou com a política de esquerda. A classe média não é sindicato. A parcela dela que apoiava o PT fazia essa escolha pelo modo de vida, mais do que pela inclusão social - até porque já estava incluída. Você que me lê, e que pode detestar o PT, talvez seja de esquerda no seu estilo de vida.

Daí algo incômodo, estes anos: que defensores do meio-ambiente e da educação, inimigos da exclusão social, tenham se afastado do PT ou da esquerda política - e que às vezes até os detestem. Há uma vida de esquerda que está meio orfã politicamente, às vezes buscando a Rede. E este é um dos pontos que a esquerda (qual delas? As duas...) terá que repensar. Será possível reunir os dois sentidos de esquerda. 

Por Renato Janine Ribeiro, Professor Titular de Ética e Filosofia Política na Universidade de São Paulo, na Revista Filosofia, Ciência & Vida, ano IX, nº 119.  

  




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