Introdução

Há muito o que ser aprendido. Há muito o que podemos extrair do que vemos, tocamos, ouvimos, e acima de tudo, sentimos. Nossa sabedoria vem dos retalhos que vamos colhendo ao longo de nossa evolução, que os leva a formar a colcha que somos. Esse espaço é para que eu possa compartilhar das luzes que formam o que Eu tenho sido!!!

domingo, 17 de julho de 2016

O ESPIRITISMO NÃO FAZ MILAGRES


Do livro A Gênese, de Allan Kardec - Capítulo XIII - Características dos milagres.

O Espiritismo vem, pois, por sua vez, fazer o que cada ciência fez no seu advento: revelar novas leis e explicar, conseguintemente, os fenômenos compreendidos na alçada dessas leis. Esses fenômenos, é certo, se prendem à existência dos Espíritos e à intervenção deles no mundo material. Ora, dizem, é justamente nisso que consiste o sobrenatural, mas, então, seria preciso provar que os Espíritos e suas manifestações são contrários às leis da natureza; que aí não há, nem pode haver, a ação de uma dessas leis.

O Espírito nada mais é do que a alma sobrevivente ao corpo; é o ser principal, visto que não morre, enquanto o corpo não passa de um acessório que se destrói. Sua existência, portanto, é tão natural depois, como durante a encarnação; está submetido às leis que regem o princípio espiritual, como o corpo está sujeito às leis que regem o princípio material; mas como esses dois princípios têm necessária afinidade, como reagem incessantemente um sobre o outro, como da ação simultânea deles resultam o movimento e a harmonia do conjunto, segue-se que a espiritualidade e a materialidade são duas partes de um mesmo todo, tão natural uma quanto a outra, não sendo, pois, a primeira uma exceção, uma anomalia na ordem das coisas.

Durante a sua encarnação, o Espírito atua sobre a matéria por intermédio do seu corpo fluídico ou perispírito, dando-se o mesmo quando ele não está encarnado. como Espírito, faz o que fazia o homem, na medida de suas capacidades; apenas, por já não ter o corpo carnal para instrumento, serve-se, quando necessário, dos órgãos materiais de um encarnado, que vem a ser o que se chama médium. Procede então como alguém que, não podendo escrever por si mesmo, se vale de um secretário, ou que, não sabendo uma língua, recorre a um intérprete. O secretário e o intérprete são os médiuns do encarnado, do mesmo modo que o médium é o secretário ou o intérprete de um Espírito.

Já não sendo o mesmo no estado de encarnação o meio em que os Espíritos atuam e os modos por que atuam, os efeitos também são diferentes. Tais efeitos só parecem sobrenaturais porque se produzem com o auxílio de agentes que não são os de que nos servimos. Desde, porém, que esses agentes estão na natureza e as manifestações se dão em virtude de certas leis, nada há de sobrenatural ou de maravilhoso. Antes de se conhecerem as propriedades da eletricidade, os fenômenos elétricos passavam por prodígios aos olhos de certa gente; a partir do momento em que se conheceu a causa, desapareceu o maravilhoso. Dá-se o mesmo com os fenômenos espíritas, que não saem mais das leis naturais do que os fenômenos elétricos, acústicos, luminosos e outros, que serviram de fundamento a uma imensidão de crenças supersticiosas.

Entretanto, dir-se-á, admitis que um Espírito pode levantar uma mesa e mantê-la no espaço sem ponto de apoio; não é isso uma derrogação da lei da gravidade? — sim, da lei conhecida. Conhecem-se, porém, todas as leis? Antes que se houvesse experimentado a força ascensional de certos gases, quem diria que uma pesada máquina, transportando vários homens, pudesse triunfar da força de atração?Aos olhos do vulgo, isso não pareceria maravilhoso, diabólico? Aquele que, há um século, tivesse proposto a transmitir um telegrama a 500 léguas e receber a resposta dentro de alguns minutos teria passado por louco; se o fizesse, teriam acreditado estar o diabo às suas ordens, porque então só o diabo era capaz de andar tão depressa. Hoje, no entanto, não só se reconhece possível o fato, como ele parece muito natural. Por que, pois, um fluido desconhecido não teria a propriedade de contrabalançar, em dadas circunstâncias, o efeito da gravidade, como o hidrogênio contrabalança o peso do balão? É, com efeito, o que ocorre no caso de que se trata. 

Estando na natureza, os fenômenos espíritas se hão produzido em todos os tempos; mas precisamente porque seu estudo não podia ser feito pelos meios materiais de que dispõe a ciência vulgar, permaneceram muito mais tempo do que outros no domínio do sobrenatural, de onde o Espiritismo agora os retira. Baseado em aparências inexplicáveis, o sobrenatural deixa livre curso à imaginação que, a vagar pelo desconhecido, gera as crenças supersticiosas. Uma explicação racional, fundada nas leis da natureza, reconduzindo o homem ao terreno da realidade, fixa um ponto de parada aos transviamentos da imaginação e destrói as superstições. Longe de ampliar o domínio do sobrenatural, o Espiritismo o restringe até os seus extremos limites e lhe derruba o último refúgio. Se é certo que ele faz crer na possibilidade de alguns fatos, não menos certo é que, por outro lado, impede a crença em muitos outros, porque demonstra, no campo da espiritualidade, a exemplo da ciência no âmbito da materialidade, o que é possível e o que não o é. Todavia, como não alimenta a pretensão de haver dito a última palavra seja sobre o que for, nem mesmo sobre o que é da sua competência, ele não se apresenta como absoluto regulador do possível e deixa de lado os conhecimentos reservados ao futuro.

Os fenômenos espíritas consistem nos diferentes modos de manifestação da alma ou Espírito, seja durante a encarnação, seja no estado de erraticidade. É pelas manifestações que produz que a alma revela sua existência, sua sobrevivência e sua individualidade; julga-se dela pelos seus efeitos; sendo natural a causa, o efeito também o é. São esses efeitos que constituem objeto especial das pesquisas e do estudo do Espiritismo, a fim de chegar-se a um conhecimento tão completo quanto possível da natureza e dos atributos da alma, como das leis que regem o princípio espiritual.

Para os que negam a existência do princípio espiritual independente e, por conseguinte, negam a existência da alma individual e sobrevivente, a natureza toda está na matéria tangível; todos os fenômenos que se referem à espiritualidade são, para esses negadores, sobrenaturais e, portanto, quiméricos. Não admitindo a causa, não podem admitir os efeitos e, quando estes são patentes, eles os atribuem à imaginação, à ilusão, à alucinação e se negam a aprofundá-los. Daí a opinião preconcebida que os torna inaptos a apreciar judiciosamente o Espiritismo, porque partem do princípio da negação de tudo que não seja material.

Embora o Espiritismo admita os efeitos, que são a consequência da existência da alma, não se segue que admita todos os efeitos qualificados de maravilhosos e que se proponha a justificá-los e dar-lhes crédito; que se faça campeão de todos os devaneios, de todas as utopias, de todas as excentricidades sistemáticas, de todas as lendas miraculosas. Seria preciso conhecê-lo muito pouco para pensar assim. Seus adversários julgam opor-lhe um argumento sem réplica, quando, depois de terem feito eruditas pesquisas sobre os convulsionários de Saint-Médard (153), sobre os calvinistas das Cevenas (154), ou sobre os religiosos de Loudun (155), chegaram a descobrir fatos patentes de embuste, que ninguém contesta. Mas essas histórias serão, porventura, o evangelho do Espiritismo? Seus adeptos já terão negado que o charlatanismo haja explorado em proveito próprio alguns fatos? Que a imaginação os tenha criado? Que o fanatismo os haja exagerado muitíssimo? Ele não é mais solidário com as extravagâncias que se cometam em seu nome do que a ciência com os abusos da ignorância e a verdadeira religião com os abusos do fanatismo. Muitos críticos julgam o Espiritismo pelos contos de fadas e pelas lendas populares, ficções daqueles contos. O mesmo seria julgar a História pelos romances históricos e pelas tragédias.

Na maior parte das vezes os fenômenos espíritas são espontâneos e se produzem sem nenhuma ideia preconcebida da parte das pessoas com que eles se dão e que, em regra, são as que neles menos pensam. Existem alguns que, em certas circunstâncias, podem ser provocados pelos agentes denominados médiuns. no primeiro caso, o médium é inconsciente do que se produz por seu intermédio; no segundo, age com conhecimento de causa, de que resulta a classificação de médiuns conscientes e médiuns inconscientes. Estes últimos são os mais numerosos e se encontram com frequência entre os mais obstinados incrédulos que, assim, praticam o Espiritismo sem o saberem, nem quererem. Por isso mesmo, os fenômenos espontâneos têm capital importância, visto não se poder suspeitar da boa-fé dos que os obtêm. Dá-se aqui o que se dá com o sonambulismo que, em certos indivíduos, é natural e involuntário, enquanto em outros é provocado pela ação magnética (156).

Quer esses fenômenos resultem ou não de um ato da vontade, a causa primeira é exatamente a mesma e em nada se afasta das leis naturais. Os médiuns, portanto, não produzem coisa alguma de sobrenatural; por conseguinte, não fazem nenhum milagre. As próprias curas instantâneas não são mais milagrosas do que os outros efeitos, já que resultam da ação de um agente fluídico, que desempenha o papel de agente terapêutico, suas propriedades não deixam de ser naturais por terem sido ignoradas até agora. O epíteto de taumaturgos, dado a certos médiuns pela crítica ignorante dos princípios do Espiritismo é, pois, totalmente impróprio. A qualificação de milagres atribuída, por comparação, a esta espécie de fenômenos, somente pode induzir em erro sobre o verdadeiro caráter deles.

A intervenção de inteligências ocultas nos fenômenos espíritas não os torna mais milagrosos do que todos os outros fenômenos devidos a agentes invisíveis, porque esses seres ocultos que povoam os espaços são uma das forças da natureza, força cuja ação é incessante sobre o mundo material, tanto quanto sobre o mundo moral.

Esclarecendo-nos acerca dessa força, o Espiritismo nos dá a solução de uma imensidade de coisas inexplicadas e inexplicáveis por qualquer outro meio e que, em tempos recuados, passaram por prodígios. Do mesmo modo que o magnetismo, ele revela uma lei, se não desconhecida, pelo menos mal compreendida; ou, melhor dizendo, conheciam-se os efeitos, porque eles se produziram em todos os tempos, porém não se conhecia a lei, e foi o desconhecimento desta que gerou a superstição. Conhecida essa lei, desaparece o maravilhoso e os fenômenos entram na ordem das coisas naturais. Eis por que os espíritas não operam milagres quando fazem que uma mesa se mova sozinha, ou que os mortos escrevam, do mesmo modo que o médico não opera um milagre quando faz que um moribundo reviva, ou o físico, quando faz que o raio caia. Aquele que pretendesse fazer milagres com o auxílio desta ciência ou seria um ignorante do assunto ou um enganador de tolos.

Considerando-se que o Espiritismo repudia toda pretensão às coisas miraculosas, fora da sua esfera haverá milagres, na acepção usual desta palavra?

Digamos, primeiramente, que entre os fatos reputados milagrosos, ocorridos antes do advento do Espiritismo e que ainda ocorrem no presente, a maior parte, se não todos, encontram explicação nas novas leis que ele veio revelar. Esses fatos, portanto, se compreendem, embora sob outro nome, na ordem dos fenômenos espíritas e, como tais, nada têm de sobrenatural. Fique, porém, bem entendido que só nos referimos aos fenômenos autênticos, e não aos que, com a denominação de milagres, são produto de uma indigna charlatanice, com vistas a explorar a credulidade. Tampouco nos referimos a certos fatos lendários que podem ter tido, originariamente, um fundo de verdade, mas que a superstição ampliou até o absurdo. É sobre esses fatos que o Espiritismo vem projetar luz, fornecendo meios de separar a verdade do erro.

(153) - N.E.: Em 1729, no Cemitério de Saint-Médard, junto ao túmulo do diácono Francisco de Paris, morto em 1727 e considerado homem muito caridoso, começaram a ocorrer milagres, pessoas passaram a visitar o túmulo e lá sofriam convulsões e se autoinfligiam torturas.

(154) - N.E.: Protestantes franceses que foram expatriados por pegarem em armas após a revogação do Édito de Nantes (1685); eram assim chamados por vestir camisa sobre suas roupas.

(155) - N.E.: A Possessão das Freiras de Loudun foi um suposto conjunto de possessões demoníacas que ocorreram em Loudun, França, em 1634; as freiras sofreram convulsões e proferiram linguagem abusiva.

(156) - Nota de Allan Kardec: O livro dos Médiuns, Segunda parte, cap. V; Revista espírita – exemplos: agosto e dezembro de 1865.

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